07 março 2013

Entrevista - Marcelo Galvão fala de seu filme Colegas e da campanha "Vem, Sean Penn!"


Depois de conquistar prêmios e uma boa receptividade no circuito de festivais, a aventura chega nos cinemas, turbinada pela campanha que convida o ator Sean Penn a prestigiar a estreia ao lado de Ariel Goldenberg, ator do filme e fã do astro de Hollywood. Veja como foi o nosso papo com o realizador do longa.
por Roberto Cunha (em "Adoro Cinema")

O cineasta Marcelo Galvão vem curtindo o sucesso de seu mais novo projeto no circuito de festivais. E a animação dele com a chegada de Colegas, finalmente, nos cinemas, é o que você poderá conferir no papo que ele teve com a gente . Além disso, ele fala sobre a campanha "Vem Sean Penn!", que caiu nas graças da comunidade artística e do público. Veja os melhores momentos dessa entrevista exclusiva para o AdoroCinema.

Mas eles não estrearam no circuito, né?
Esse é o problema. Eles passaram somente em festivais. Nenhum deles foi para os cinemas. As pessoas que conhecem são as que frequentam festivais. Colegas é um filme que eu consigo colocar numa sala de cinema, criar uma campanha em volta dele. É o primeiro filme meu que as pessoas vão conhecer o meu trabalho.
Na verdade, as pessoas até conhecem mais o primeiro filme,Bellini e a Esfinge, que já virou uma marca. O segundo eu escrevi o roteiro, dirigi, mas é um filme que tem o corte do produtor. Não é um filme que eu possa considerar meu e estreou em coisa de seis salas, era pequeno mesmo. Eu tenho o meu corte diferente daquele. 

Eu fiquei bem surpreso. O principal foi com o público, porque passar um filme em um festival reconhecido, com críticos e muita gente olhando. E eu não sabia como seria a reação do espectador do sul, né? Foi o grande marco de quebrar minhas expectativas. O pessoal batendo palmas em cena aberta, aplaudindo no final. 
Foi um termômetro para você?
E não dá para chamar de frustração não ter sido pelo voto popular porque eu estava muito feliz com a receptividade do público e os atores já tinham ganhado o Prêmio Especial do Júri também. Me incomodava a possibilidade de entregar o prêmio para apenas um, mas o festival teve a delicadeza de entregar um prêmio para cada. E isso me tirou uma preocupação muito grande.

Então foi tensão total quando viu que O Som ao Redor já tinha papado Melhor Filme pelo voto popular?
É. Eu tinha era esperança diante da reação do público. Era o único que eu tinha certeza. Achei até estranho a gente ganhar o voto dos jurados e perder no do público. Devia ser ao contrário. O filme dele é mais cabeça, né? Mas deve ser o processo de escolha por representantes que fez a diferença.

E por que não estreou no fim de 2012, chegando só agora no início de 2013, começo das aulas ... ?
Essa decisão foi praticamente minha. O pessoal foi contra, mas não fazia sentido ficar sete anos dedicado ao projeto, captando e depois de pronto jogar nos cinemas, pegando sobras. Eu falei que a gente precisava de um tempo para divulgar, contar mais da história, despertar mais um pouco. A gente teria menos de um mês de exposição do trailer, estava na rebarba da Mostra de São Paulo e da repercussão de Gramado. Precisava criar uma coisa nova para o filme, mais mídia espontânea. A gente estava entrando numa semana que na seguinte iria entrar Crepúsculo (Amanhecer - Parte 2). Num complexo de oito salas, ele ia pegar seis. 
E não dá para chamar de frustração não ter sido pelo voto popular porque eu estava muito feliz com a receptividade do público e os atores já tinham ganhado o Prêmio Especial do Júri também. Me incomodava a possibilidade de entregar o prêmio para apenas um, mas o festival teve a delicadeza de entregar um prêmio para cada. E isso me tirou uma preocupação muito grande.

A trajetória foi legal em festivais no Brasil, na Itália ...Teve em Moscou também e as projeções do filme em festivais que a gente não concorreu, como Festival do Rio e a abertura do Festival de Amazonas, foram muito bacanas junto ao público.

E naqueles que você entrou em competição, como os que eu citei, o prêmio veio do voto popular. Isso mostra que eles estão assimilando a sua obra?

Com certeza. Em Moscou a gente ganhou Melhor Filme, voto dos jurados, e em Trieste (Itália) e Mostra de Sâo Paulo foi do público.

Você ataca de produtor, roteirista, montador, produtor executivo, diretor ... Enfim, bate o escanteio, cabeceia e ainda tenta agarrar. E agora, até de ator você deu uma arriscada ...
Foi uma ponta ...

Esse é um caminho que você escolheu, essa coisa de se virar nos 30 e fazer tudo?

É. Total.

Você está aberto para convites para dirigir outros projetos ou seu interesse é por projetos pessoais?
Não, não, estou super aberto a outros projetos. Eu adoro dirigir. Eu já fiz roteiros também para outros diretores. Eu gosto tanto de escrever, quanto de dirigir. São duas coisas que eu faço com amor.

E se você pudesse escolher escrever um roteiro para alguém, tem algum diretor na mira ou nunca parou para pensar nisso?
Pra mim, o escrever já é um trabalho em si. O meu tesão em escrever é que ele se torne uma obra independente de quem vai dirigir. Ela foi escrita e cada um vai ter a sua visão. Óbvio que eu gostaria que coisas escritas por mim fossem dirigidas por diretores que eu gosto, que acrescentariam algo. Fernando Meirelles é um cara que admiro pra caramba, mas meu tesão mesmo é na obra em si. É escrever ela e ela já ser por si só algo publicável.

Voltando a falar de Colegas, o filme brinca o tempo todo com títulos famosos, né? Tem citação verbal, visual, tem cinema de montão dentro da história. Isso já fazia parte desde o argumento ou foi algo que foi surgindo?
Não. Foi desde o argumento, quando criei a história. A primeira coisa que me veio a cabeça foi se os garotos iriam conseguir atuar direito. Será que vai ficar assim ... meio falso? Será que as pessoas vão acreditar? Será que vou conseguir transformar eles em atores? Porque eles não são atores. E aí eu falei que uma forma de resolver isso seria se eles falassem frases de filmes. 

Não. Foi desde o argumento, quando criei a história. A primeira coisa que me veio a cabeça foi se os garotos iriam conseguir atuar direito. Será que vai ficar assim ... meio falso? Será que as pessoas vão acreditar? Será que vou conseguir transformar eles em atores? Porque eles não são atores. E aí eu falei que uma forma de resolver isso seria se eles falassem frases de filmes. 
Durante o processo, acabei vendo que eles eram muito bons e aí tirei muitas falas. Fui deixando o improviso e os textos que eles conseguiam memorizar e interpretar maravilhosamente. As referências passaram a ser um chantilly no sorvete. Não só nas falas como nas situações, tem o origami de Blade Runner, o casamento na ponte de Assassinos por Natureza. E aí foi crescendo e virou um charme porque é uma história contada, tem muito a ver com cinema. Ele começa com aquela sujeira do VHS nos créditos iniciais e em todas as exibições a gente ainda pega as pessoas de surpresa, pensando que é um defeito na projeção. É uma linguagem que a gente queria assumir porque a gente fala de filmes o tempo todo e eles assistiam no VHS. 

Em Gramado, como aconteceram problemas com outros filmes, cheguei a pensar que era problema mesmo. E vendo na sessão para a imprensa, novamente voltei a pensar que era um defeito ... 
Você sabe que é um negócio que me arrependo? Porque não precisava. Tem coisa que você aprende, né? Os créditos finais começavam com cenas do meu tio quando era criança. Mostrei pro Fernando Meirelles, um grande amigo, e ele me disse que tinha gostado muito do filme, mas tiraria isso porque deixava mais pesado. Tem coisa que eu consegui mudar antes. Esse toque foi legal. Apesar de ser um detalhe nos créditos, ele te deixa com uma outra sensação. 
Durante o processo, acabei vendo que eles eram muito bons e aí tirei muitas falas. Fui deixando o improviso e os textos que eles conseguiam memorizar e interpretar maravilhosamente. As referências passaram a ser um chantilly no sorvete. Não só nas falas como nas situações, tem o origami de Blade Runner, o casamento na ponte de Assassinos por Natureza. E aí foi crescendo e virou um charme porque é uma história contada, tem muito a ver com cinema. Ele começa com aquela sujeira do VHS nos créditos iniciais e em todas as exibições a gente ainda pega as pessoas de surpresa, pensando que é um defeito na projeção. É uma linguagem que a gente queria assumir porque a gente fala de filmes o tempo todo e eles assistiam no VHS. 
As referências são todas minhas, de filmes que gosto. E tinha muito mais. No começo, na hora do assalto, tinha uma fala "Ria e o mundo rirá com você. Chore e chorará sozinho", que é do Old Boy, mas acabei tirando porque começei a achar que estava forçando muito. Então fui tirando e não agreguei mais. O roteiro foi muito elaborado, foram 13 tratamentos. Lia, relia ... E o meu processo de criação é muito democrático. Eu leio para as pessoas, converso e alguma coisa pode ter vindo disso, mas só o que achava ser pertinente.

E qual delas é a preferida, a mais emblemática?
A mais emblemática para mim é a fala "Everybody be cool, this is a robbery". Porque é a primeira cena do filme e é a que o Ariel mais gosta de falar nas palestras do filme. Apesar de ser uma fala em inglês, ela é reconhecida por ser doPulp Fiction. É a mais emblemática dos Colegas.

Mesmo sendo um assunto delicado, qual é a expectativa de público. Existe um número considerado legal?
A gente quer bater um milhão de espectadores. Quer mostrar que o filme tem força e que tenha uma trajetória igual ao de Intocáveis e O Palhaço. Apesar dele ter um drama e Colegas ser mais para cima. É um filme mais feliz. Eu acho que o boca a boca que houve com O Palhaço e fez com que o filme chegasse a mais de 1.4 milhão de espectadores e Intocáveis passar de um milhão, é o que a gente espera pro nosso filme.

Ficaria amarradão com essa marca? 
Ficaria super feliz porque seria um dos poucos filmes a bater um milhão sem a Globo Filmes. 

Você falou do momento do seu tio que foi cortado dos créditos finais, mas manteve no final uma bonita dedicatória para ele, que dá nome a um dos protagonistas. Não é isso? Sua experiência com ele foi a semente do projeto?É sim. Se eu não tivesse convivido com ele eu não ia ter a vontade de escrever o que eu escrevi. Eu queria que o filme tivesse a mesma energia de quando eu passava os momentos da minha infância com ele. Era um cara com um coração gigantesco, divertido, engraçado ... queria que aquela sensação gostosa que eu tinha, as pessoas também tivessem. Mas para isso eu não podia falar de Síndrome de Down. Eu tinha que olhar o copo bem cheio e não o copo vazio. Aí, resolvi fazer uma aventura super divertida que eu tirasse sarro do preconceito que existe. Um filme sem a vontade de levantar nenhuma bandeira, mas que fosse protagonizado por eles, porque eu sabia que se tivesse eles ali, iriam passar isso para o filme porque eles são assim. Isso é um dom.

O roteiro trata de temas interessantes e é protagonizado por portadores de Down. O sexo é um deles. E aparece mais romântico no personagem de Stallone (Ariel) e mais hardcore no de Márcio (Breno). Algum receio de ser alvo de críticas por isso?
Não. Nenhum. O meu público maior são os pais deles, alguém que eu me preocuparia se tivesse alguma coisa ligada a esse ponto. É tanta gente que acompanha o filme no Facebook, por exemplo, e nunca ouvimos nada a respeito. O filme fala de inclusão. Eu lembro até que numa época o pessoal da distribuidora falou da cena deles se beijando, que o público podia não gostar ...

Engraçado porque eu achei essa cena super bacana e parecia um filme comum, que a gente está acostumado a ver. O grande barato foi que você colocou tudo como normal, igual ...

A ideia era fazer um negócio atemporal porque é uma história contado por um jardineiro. Então ela pode ter referências atuais, uns lances rústicos ... A gente queria ter uma coisa retrô, mas também modernas como o celular que você falou. A única preocupação era estética. Que seja interessante e bacana. Por exemplo, aquele negão sentado de costas é o Wallace do Pulp Fiction, com um band-aid igual ao do personagem. O filme procura ser interessante estéticamente também.

A trilha é bem legal e as músicas de Raul Seixas quase que atuam no filme. Qual é a conexão do filme com Raulzito, é pessoal? Como foi a questão dos direitos?
Eu adoro o Raul. Sempre gostei desde a minha infância e ele tem tudo a ver com o filme, as letras, é um cara totalmente sem preconceito, divertido, muito parecido com eles. Foi muito fácil conseguir as músicas e a Kika Seixas foi uma pessoa maravilhosa. Praticamente, cedeu todas elas, ajudando muito nesse processo. E eu fiz uma pesquisa para ter também músicas desconhecidas, que ninguém conhecesse, como "Asa Branca" cantada em inglês, além das tradicionais, com "Sociedade Alternativa". O valor cobrado foi irrisório comparado a obra.

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