11 fevereiro 2008

Qual a diferença entre o personagem de seriado, de novela e de cinema?



"Qual a diferença entre o personagem de seriado, o personagem de novela e o personagem de cinema?

Trechos da resposta do moderador Leonardo de Moraes, em discussão no GRTV, em 17/02/2008. Para ler esta e outras discussões, acesse e associe-se ao GRTV (Grupo Roteiros para Televisão):
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Rapaziada,
essa pergunta é interessante e muito importante. Gostei da resposta que foi dada pelo "prodbr" (qual teu nome?). Também gostei da resposta da Martha, quando disse que "o personagem de telenovela pertence a uma estrutura já pré-definida que tem sua origem no melodrama, ou ainda, ele pertence a uma estrura arquetipica". Discordo em parte, mas falo disso mais pra frente.


Vou tentar dar minha opinião pra colaborar nessa discussão.

O fato é que entendo que a dimensão das personagens não é determinada pelo formato narrativo (se é seriado, se é novela, se é cinema...), mas pelo gênero que abordam (se é drama, se é comédia, se é suspense etc.).

As sitcoms sempre desenvolvem comédias (sitcom=situation comedy), ou seja, têm o gênero pré-definido. Por conta disso, optam pela manutenção do perfil das personagens. Não é interessante desenhar trajetórias psicológicas de amadurecimento, o que aniquilaria os desvios de personalidade que levam ao humor! Imagine só "Friends", com um Joey que ao longo dos anos, tivesse se desenvolvido intelectualmente?! Imagine "A Grande Família" com um Agustinho que, afinal, tivesse se tornado um trabalhador honesto?

Ainda que encontremos ao final de cada episódio uma certa "lição de moral", numa verdadeira sitcom nada é exatamente aprendido, interiorizado. Tudo vira uma grande piada. Além do mais, o produto (sim, o produto a ser vendido para as emissoras!) pede isso: cada capítulo deve ter unicidade e poder ser contado fora de ordem, repetido "n" vezes na televisão, mas sempre mantendo a coesão. Assim, o público não pode perceber grandes alterações no modus vivendi das personagens, encontrando diversão garantida.

Um seriado, diferentemente, pode ser de comédia, drama, ação etc. Nada impede a opção de gênero. Mas sempre haverá trajetória psicológica. Isso é o que diferencia, sobretudo, uma sitcom de um seriado cômico... e, por outro lado, aproxima um seriado dramático de uma novela (brasileira). Afinal, "The O.C." não foi um novelão?

As diferenças entre uma novela (brasileira, que fique claro) e um seriado dramático (como o citado "The O.C.") acabam vindo do mercado audiovisual: nos EUA um seriado não tem data pra terminar, nem certeza de sua continuidade (quantos não são cancelados sem aviso prévio?). Então começam com micro-núcleos, de seis, sete personagens e apenas uma, duas tramas principais. Caso façam sucesso, aí sim vão tendo histórias e núcleos agregados a cada nova temporada.

É essa incerteza de permanência na grade, por parte dos seriados norte-americanos, que influencia as opções dos roteiristas americanos. Isso afeta a condução narrativa, mas não propriamente a formatação das personagens, sua densidade ou jornada dramática. Os personagens de um seriado dramático já estão lá, desenhados, concebidos, sofrendo-aprendendo-amadurecendo. Da mesma forma que estão sofrendo-aprendendo-amadurecendo em uma (boa) novela (brasileira).

Falando de novela, e aproveitando pra completar o que a Martha disse, ok, concordo que possa existir o lugar-comum das personagens arquetípicos, pré-moldadas, unidimensionais, planas: a vilã, a madrasta, a sofredora, a virginal, o mocinho, o herói, o vilão etc. etc. Mas, grosso modo, as novelas brasileiras saíram dessa fase - onde ainda estão nossos colegas mexicanos e também a velha e boa "soap opera" norte-americana.

Novelas como "Mulheres Apaixonadas" dão várias dimensões às personalidades e caráteres de seus personagens (aliás, Manoel Carlos é craque nisso). É justamente pela busca da pluridimensionalidade das personagens que a novela brasileira se tornou referência mundial. O formato brasileiro não engessa o autor... vai do estilo de cada um.



Assim, não vejo real diferença entre as personagens de novela (brasileira) e de seriados dramáticos (formato EUA e mesmo as mini-séries nacionais). Ah! Uma observação relevante: claro que uma Hilda Furacão jamais poderia existir numa novela das seis, sete, nove. Mas não pela diferença de formato, mas pela dramaticidade de seu conteúdo, pelos temas abordados impróprios para outros horários.


E pimba! Encontramos uma outra coisa, relevantíssima, que pode afetar a profundidade dos conflitos e consequentemente, das personagens: o horário (mas isso fica pra uma outra, onde a gente também possa comentar as amarras do Manual de Classificação Indicativa do Ministério da Cultura...).

E o cinema? Será que é o formato que faz a diferença na construção das personagens? Será? Também acredito não. Acredito que a coisa toda vem do gênero (drama, comédia, suspense, ação). É por conta da opção do conflito que vem a dimensão da personagem. Oras, filmes de ação comportam normalmente protagonistas como "John Mc Clane" (Bruce Willis em "Duro de Matar 1, 2, 3..."), ou Van Dammes da vida (em qualquer de seus "Tigres Brancos...). Essas personagens não têm jornadas psicológicas densas, no máximo o básico "homem-bom-sofre-quer-vingança-vira-herói" típico das HQ's. E isso é o quê? Jornada arquetípica.

Falando em HQ's... Quem já leu Sandman sabe (mais que isso, tem certeza!) que o formato, a mídia, pouco importam para a densidade do conteúdo, para a dimensão das personagens e por aí afora...


Então, pra concluir: acredito que não seja o formato (novela, cinema, teatro, seriado) ou a mídia (audiovisual, escrita, desenhada) que determine a dimensão das personagens, mas sim o gênero da trama, dos conflitos (comédia, drama, ação, suspense, mistério, romance) escolhidos pelos autores-roteiristas.

As sitcoms não fogem dessa colocação. Por que? Porque trazem dentro de si, obrigatoriamente, a escolha de gênero (sempre, sempre situation comedy). E com isso, vem a manutenção dos perfis psicológicos das personagens ao longo de anos e anos...

É isso aí. Espero ter contribuído!

Abração,
Leonardo de Moraes
(Moderador GRTV)