14 agosto 2008

3ª palestra do "Workshop of Screenwriting" de Syd Field

Relatório sobre 3ª palestra de Syd Field no “Workshop of Screenwriting”, na sede do Alumni em São Paulo – 13/08/08

Syd Field retoma a palestra nas explanações sobre o 1º Ato (Act I – setting up your story and characters). São novamente colocadas no telão as seguintes questões:

Setting up character & story

How are you going to open your screenplay?
With an inciting incident that sets your story in motion?
Or, are you going to set up your character through an action?
Is it possible to establish your character through his/her behavior?

Nesse ponto, ele comenta que:
“Films are behavior, that’s how you know the character is, how it responds and shows itself to the world" (Traduzindo livremente: Filmes são comportamento, é assim que se descobre como o personagem é, como ele responde e se mostra para o mundo).

Nesse ponto, Syd Field quer reafirmar que quaisquer conflitos internos, quaisquer sutilezas de caráter ou personalidade devem ser traduzidas de forma visual, do contrário não será possível ao público entendê-las. A menos, claro, que se utilize da “Voice over narration” (ferramenta que se assemelha à voz do escritor em literatura e cuja utilização será novamente comentada ao longo da palestra).

Can you establish your story and character through voice over narration?

Remember:

Either the character drives the action… Or the action drives the character.


How do you introduce your character?
Through a dialogue or action?

Assistimos então a seqüência inicial do filme “Rushmore” (com Bill Murray), na qual o protagonista Max Fisher – um universitário de Matemática com ares de nerd - está resolvendo um enorme desafio de álgebra e sendo ovacionado pelo professor e os demais colegas. Logo depois, percebemos que tudo se trata de um sonho, e que na verdade ele está cochilando durante um discurso do personagem de Bill Murray na capela da Universidade.

Segundo Field, “he is an absolutely dreamer. His dream is to teach at Rushmore, and he’s expelled from Rushmore and that’s how the conflict starts, a conflict with the reality. He has to learn how to let go his dreams and starts to deal with the reality. In this case, the character drives the action”.

Aqui Field retoma as formas de se introduzir uma história. Na palestra anterior, ele havia indicado:

1) The inciting incident (with an incident in the very first scene or sequence in the film. The purpose – to set the story in motion, and that’s how the audience will know the characters, trough them behavior against the incident)
2) The traditional way (starts at the beginning: shows the main character growing up).

Agora ele irá falar sobre a terceira forma: através do uso da “voice over”.

3) Through VO narration

The use of voice over
The main character talks about, or comments upon his/her thoughts, feelings and emotions – or about the circumstances of the story.

Para ilustrar, ele apresenta outro clipe, desta vez do filme “Lord of the Rings”, que se inicia com uma seqüência de contextualização de aproximadamente sete, oito minutos – “The world is changing, I fell it in the air...”. A abertura do filme, além de narrar as imagens que se sucedem, apresenta mapas geográficos. “... history became legend, legend became myth.”
A “VO” em “Lord of the Rings” é necessária para contextualizar a história toda. Ela apresenta todo o contexto fantástico no qual a história irá se desenrolar, o panorama de importância, desejo e disputa ao redor do último anel e propicia uma rápida progressão temporal até o momento em que a narrativa irá, efetivamente, se iniciar.
A seqüência apresentada por Field termina no momento em que vemos Frodo, o protagonista, conversando com o Feiticeiro, que acaba de chegar de carroça na vila dos hobbits. Um elemento importante que Field destaca: o rápido diálogo dos dois e a ternura que demonstram um pelo outro já serve para situar sua relação ao público, tudo de forma rápida e efetiva.
Basicamente, a utilidade da VO neste filme é dar as circunstâncias – sobre o que a história tratará, onde acontecerá etc. – e trata de encaminhar Frodo até o Wizard.
Segundo Field, essa narrativa em VO tomou as primeiras 5 páginas do roteiro e se mostrou absolutamente imprescindível. Sem ela, talvez não fosse possível contar a história de “Lord of the Rings”.
Field lembra que um roteirista deve sempre lembrar de sua primeira grande tarefa:

“Keep the reader turning pages”

Ou seja, manter o leitor virando as páginas.
Quem serão esses leitores? Os produtores, diretores e atores. Se eles não demonstrarem interesse na leitura integral, dificilmente o roteiro se transformará em um filme.

Field, comentando seus anos de experiência em análise de roteiros, comenta os principais defeitos que costumam fazer o roteiro ser largado nas primeiras 5 páginas:

- overwritten;
- too dialogue;
- too explanatory;
- less explanatory than necessary
(to comprehend what the story is about).

Sem fisgar o leitor, a probabilidade do filme ir para a telona já diminui consideravelmente. O roteiro deve falar por si só, dispensando comentários ou explicações extra-papel.

Retomando as formas (Types) de se começar um filme:

4) A stylized contemporary action:
We see the character’s background through an action or through a behavior – right from the very beginning.
Ex.: Mr. & Ms. Smith (com Brad Pitt e Angelina Jolie).

Assistimos então à introdução do filme “Mr. & Ms. Smith”. O filme, durante os créditos, já traz uma bem-humorada seqüência do casal falando com um terapeuta (que não é mostrado ao público). Com essa “sacada”, já é possível para o público entender qual será a abordagem do filme - apesar de ambos serem “high killers”, o enfoque principal será na relação dos dois, ou seja, o filme tem ares de comédia romântica e a ação vertiginosa vem para compor um conflito contextual.

A seqüência que é mostrada à classe vai desde a abertura com os créditos, mostrando ambos se apaixonando em Bogotá e passando pela disputa dos dois no tiro-ao-alvo. Nessa seqüência somos informados que ambos têm natureza competitiva - estampada no olhar de Jolie, que pede nova chance e na reação de Pitt, ao se livrar do brinde que ganhara ao ver o ursão de Jolie.

A seqüência introdutória vai até “FIVE OR SIX YEARS LATER...”, quando a história começará a ser contada nos tempos atuais.

Field diz, porém, que o PLOT POINT 1 só virá no momento em que ambos forem contratados para matar a mesma pessoa. Ele afirma que é só a partir desse momento que a verdadeira história do filme começará.

Segundo Field,

“THE TRUE BEGINNING OF ANY STORY IS ‘PLOT POINT 1”

E é isso que acontece com “Mr. & Ms. Smith”. O primeiro Ato é apenas para “setting up”, apresentar os personagens e a história.

Concluindo esse “type” de início de roteiro, Field diz que o considera “very comtemporary style of setting up the character”.

Então retomamos a análise do uso de V.O.

3) V.O. opening with visual images.
Establishes the character’s dramatic need – what the main character wants to win, gain, get or achieve during the course of the screenplay – from the very first image.
Ex.: “Lord of the Rings” – we become able to know that Frodo needs to forward the ring to the Doom Mountain.

Sometimes the dramatic need of your character changes during the screenplay, and that’s PLOT POINT 2! (Traduzindo livremente: algumas vezes o desejo/impulso/necessidade dramática do seu personagem muda durante o roteiro, e aí teremos o “Plot point 2”).

Ex.: “Thelma & Louise” (1991) – quando um cara tenta estuprar Thelma, mas Louise acaba o matando. Antes, tínhamos a história de duas mulheres em torno de seus quarenta anos querendo ter um free-time de suas vidas, pretendendo ir para o campo. Agora, porém, teremos a história de duas fugitivas da polícia, tentando cruzar a fronteira do México. Então é na seqüência do assassinato que consta o “plot point 2” do filme “Thelma & Louise”.


Voltando a falar de "setting up" e visando exemplificar o “oppening with a visual image”, é apresentada a seqüência inicial do filme “The Royal Tenembauns” (“Os excêntricos Tenembauns”).

Nesse filme há, inclusive, a utilização de uma V.O. narration.

Sobre V.O., Field faz uma observação (que será questionada na segunda parte da aula, durante as perguntas). Ele diz que se se optar por usar a VO, não se deve utiliza-la apenas no início do filme, para resolver a situação e pronto. Deve-se sim utiliza-la mais umas 3 ou 4 vezes ao longo do filme. Ele afirma que a “V.O. narration” deve ser incorporada ao estilo do texto.

Depois sucede o clipe de “The Shawshank redemption” (1994 – no Brasil: “Um sonho de liberdade”).
A seqüência que Field pretende mostrar vai desde o início até quando o juiz bate o martelo, dizendo que o personagem de Tim Robbins foi condenado. Essa é toda a seqüência introdutória.

Revisando, Field diz então que foram apresentadas as sequintes formas de se iniciar um roteiro:

Types of “setting up”:

- inciting incident
- the tradicional way
- contemporary form
- voice over with visual images

Exemplos de “inciting incident”: em “Cidadão Kane”, o fato de o protagonista falar “rosebud” é um incidente que move a história. Nos pegamos querendo saber “afinal de contas, o que é rosebud?”.
Outro exemplo de “inciting incident”: “A testemunha” (com Harrison Ford e Kelly Mac Guillis), em que há um assassinato testemunhando por um garoto Amish, no banheiro de uma estação de trem. Sobre esse filme, Field vai trazer explicações mais detalhadas.

Relembrando para concluir:

Setting up character & story

How are you going to open your screenplay?
With an inciting incident that sets your story in motion?
Or, are you going to set up your character through an action?
Is it possible to establish your character through his/her behavior?
Can you establish your story and character through voice over narration?

Remember:

Either the character drives the action…
Or the action drives the character.


Resumidamente: você vai escolher começar seu roteiro “trhough an action” ou “though a character”?

Passamos agora para outro tema – “Writing Effective Dialogue”.


WRITING EFFECTIVE DIALOGUE

The purpose of dialogue:
Either to move the story forward or reveal information about the main character.

The nature of conflict:
There are stories that move forward by external crisis and stories that move forward by the internal drive, or conflicts, of the main character.
There are two types of conflict:
Internal conflicts: focusing on the thoughts, feelings, emotions and fears of the main character;
External conflict: the main character is challenged by war, physical obstacle, being victimizes or handicapped in some way.


ACT 1 – setting up
ACT 2 – there’s conflict. You have to reveal the conflict and also the character through it. And you can do it by different ways – through actions, behaviors or dialogues. Sometimes, the dialogue needs to be explanatory.

Expositionnecessary information that moves the story forward.

Clipes apresentados à classe para mostrar o que seria uma seqüência expositiva:
Ex.: “Crimson Tide” - seqüência de quarto minutos, logo após a introdutória, em que há uma conversa entre Denzel Washington e Gene Hackman. Nesse diálogo, vemos a personalidade de Hackman e ficamos sabendo detalhes heróicos da vida de Denzel, bem como as razões dele ter sido chamado para a missão que irá se iniciar.

Syd Field fala da importância de se começar a assistir filmes analiticamente, ficar consciente das amarras invisíveis da trama, da forma como os diálogos se sucedem, se há “inciting incidents” etc. e tal.

A PRÓXIMA PALESTRA RETOMARÁ DESTE PONTO!
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PERGUNTAS (AS MAIS RELEVANTES) FEITAS NO SEGUNDO PERÍODO:

SOBRE O USO DO VOICE OVER (V.O. NARRATION):
O aluno pergunta, afinal, porque Syd Field havia dito que “uma vez utilizada a VO no início, ela deve retornar outras vezes no filme”.
Syd Field diz que “Voice over narration is a style”, e como tal, o roteirista deve encontrar lugares no roteiro onde ela será novamente utilizada - “You have to design where you’ll insert the voice over narration”.
Sobre as exceções a isso, Field fala que na versão final de “Juno” ela foi utilizada apenas duas vezes. E que em “Apollo 13”, a última cena foi em V.O. (na voz de Tom Hanks) para dizer o que aconteceu na vida real com os personagens, já que o episódio contado foi verídico. Mas Field ressalta que esse tipo de utilização da VO é uma exceção – necessária, mas exceção.

QUESTÃO DO MARKETING PRÉ-APRESENTANDO OS PERSONAGENS AO GRANDE PÚBLICO
Outro aluno perguntou, tomando por base o filme “Mr. & Ms. Smith”, se o roteirista deve se preocupar com as informações que são divulgadas na mídia acerca da história. Afinal, antes mesmo do filme em questão ter sido exibido, os jornais já “pipocavam” informações sobre a natureza dos personagens, sobre serem casados e “high killers”.
Field responde que o roteirista deve se preocupar em contar uma boa história, e apenas isso; deve deixar as questões de publicidade para o setor responsável. Mesmo porque o filme só será aprovado pelo estúdio se o roteiro tiver um sentido por si mesmo. Ou seja, o roteiro de “Mr. & Ms. Smith” já tinha sentido próprio quando foi escrito, e não dependia de qualquer esclarecimento feito pelo material de publicidade.
O que efetivamente pode acontecer, é a perda do “elemento surpresa” pelo público.
Field também diz que a única pressão que os roteiristas sofrem, hoje em dia, é se tornarem hábeis a apresentar os personagens de forma cada vez mais rápida.

SOBRE O “MIDDLE POINT” – E AFINAL, O QUE ELE É
Um aluno perguntou, afinal de contas, o que é o “middle point” e qual a sua relevância para a narrativa.
Syd Field então disse que se trata de uma “tool” (ferramenta) do roteirista. Que os propósitos do “middle point” são:
- break the act 2 in 2 partes (first and second half);
- be a story progressive point

Para explicar, ele comentou sobre dois filmes – “Thelma e Louise” e “A testemunha”.

Em “Thelma & Louise”:
- PLOT POINT 1 = killing the guy at the parking lot
- ACT 2: the girls are lost; don’t know what to do etc. Then they go to Oklahoma City to catch some money, and find Brad Pitt. Thelma sleeps with him, and forget to hide their money.
- MIDDLE POINT: Brad Pitt steals all their money. The girls become desperate.
Observação de Field: Veja que aqui não há efetiva mudança na história, já que elas não tinham dinheiro suficiente antes e depois de Brad Pitt, a coisa volta à estaca zero. Porém, houve progressão dramática. Há uma sensação de que tudo está piorando, que realmente a história está sendo levada para outro estágio dramático.
O “middle point” aumenta a pressão para que a história “move forward”.

Em “A testemunha”:
- ACT 1 - INCINTING INCIDENT: o garoto Amish testemunha o assassinato na estação de trem (mais ou menos página 7 do roteiro);
- PLOT POINT 1: o garoto reconhece o assassino, e Harrison Ford fica sabendo tratar-se de um policial importante;
- ACT 2: Começa com Harrison contando ao chefe de polícia que sabe quem é o assassino. À noite, o Danny Glover vai até sua casa para matá-lo. Então Ford percebe que até seu chefe está envolvido na quadrilha corrupta. Ford então pega o carro e leva o garoto e sua mãe até Amish County, na Pensilvânia. Acaba batendo o carro numa casa de passarinhos e desmaia. Então ficará por lá.
Todo o ACT 2 é feito disso: a diferença do mundo de Ford e Mac Guilis e o início de seu envolvimento.
MIDDLE POINT: quando ele e a mãe do garoto começam a perceber que estão se sentindo atraídos um pelo outro, mas não têm coragem para admitir. A seqüência que ilustra esse momento se dá no celeiro, quando eles ouvem uma música (“What a wonderful world it would be...”) e começam a dançar, sorrir e quase se beijam, até que chega o pai Amish da moça.
Field faz a seguinte observação: há um conflito interno da personagem de Ford, que é “afraid of intimacy”.
Field afirma que esse momento romântico marca uma progressão da história, permitindo que nós vejamos o início de sua relação amorosa.
O ACT 2, praticamente inteiro, se passa na fazenda.

PLOT POINT 2 – seqüência que se inicia com o garoto brincando com um presente dado por Ford, que está consertando a casa de passarinhos do avô do menino. Vemos Mac Gillis olhando pela janela, tensa que Ford irá embora de sua vida. O pai dela entra na sala, fala coisas que aumentam o conflito. Então ela fica só em silêncio, para tirar o seu chapeuzinho Amish (mostra que optou pelo amor) e sai correndo em direção a Ford, para beijá-lo).
Então o “plot point 2” ocorre quando eles consumam a relação amorosa.

ACT 3 – ACTION SEQUENCE WHEN THE CORRUPT POLICEMAN WANTS TO KILL HIM. Se inicia quando chega o carro com os policiais corruptos, com o porta-malas cheio de armas.
Todo o terceiro ato será feito de “shootage at the farm”, e como Ford e Mac Guilis irão lidar com as conseqüências de sua relação amorosa.

Aqui Field faz uma observação, levando em conta a cena em que Mac Guilis coloca seu chapeuzinho Amish em silêncio sobre a mesa:

"Screenwriting is the art of finding places where silence works better than words”

“Sometimes you don’t have to explain everything through dialogue”.


SOBRE ROTEIRO ESCRITO PENSANDO-SE EM TRILHA SONORA
Um aluno comentou sobre a escrita de roteiros pressupondo uma determinada música para o acompanhar (pergunta causada pela seqüência inicial de “The Royal Tenembauns”, que traz quase dez minutos de “hey, jude” dos Beatles). Isso é procedimento comum, adequado?
Field diz que isso deve ser evitado ao máximo. Deve se deixar o planejamento sonoro para o diretor do filme e o da trilha sonora.
Field ressalta que “músicas específicas” só devem ser usadas quando têm função dramática na história que se deseja contar. Mesmo assim, ele diz que pode-se estar criando um problema futuro para a produção. Para ilustrar, ele conta o que aconteceu com o drama “Mask” (com Cher). Nesse filme, o protagonista era um garoto com sérios problemas ósseos que o deformavam, e era fã incondicional de Bruce Springsteen – tinha pôsteres, músicas, sabia as letras de cor e elas o ajudavam a passar pelos momentos mais difíceis de sua vida. Porém, depois do filme inteiro ter sido rodado baseado num “ok” dos detentores dos direitos, eles acabaram pedindo uma fortuna para a liberação efetiva das músicas. A pós-produção ficou parada um bom tempo tentando resolver o impasse, mas o diretor acabou tomando a seguinte decisão: as referências a Springsteen continuaram, mas não utilizariam nenhuma de suas músicas como tema. Apenas conseguiram liberar a letra de uma música, que no entanto, acabou sendo utilizada na voz de outro cantor.
Field ressalta que no caso de “The Royal Tenembauns”, muito provavelmente a liberação se deu por amizade, por contato próximo dos produtores do filme com os detentores dos direitos das músicas e não somente por dinheiro.

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