01 maio 2006

Conto #4 - A Maçã do Horror

Conto #4 (de 19),
do 1º Concurso "Janete Clair" de Criação Ficcional
do Grupo Roteiros para Televisão (GRTV-Yahoo)


A Maçã do Horror


Noite escura. Alta velocidade naquela estrada vazia. Douglas envolto em seus pensamentos. Gritos confusos em sua cabeça, o suor frio escorrendo na testa. Gritos e mais gritos: “Você não tem visão de empreendedor! Desse jeito temos que desmanchar a nossa sociedade!...” É... o seu sócio anda nervoso. “Fontoura... Que saco”, diz ele. A gravata lhe aperta o pescoço e ele solta-a. Já teve um dia turbulento, aquela empresa cheia de pessoas. Planos, projetos, vendas, índices, balanços... Pensa em sua esposa: “Você não tem tempo para sua família, desse jeito não vai dar! Nem alimentar-se direito, você se alimenta...” Nisso, seu pensamento é interrompido. “Porra, que droga de carro”, grita Douglas.
À sua frente ele não enxergava nada. Apenas a fumaça que vinha do motor de seu carro. Douglas sai pra fora e não sabe o que fazer. Àquela hora, naquela estrada, quem poderia lhe ajudar? Sentiu um calafrio, um medo, aquele temor foi tomando conta de seu corpo. Estava sozinho naquela estrada. Corre para dentro de seu carro e tenta ligar para alguém vir lhe socorrer. “Celular desgraçado”, diz Douglas. Numa raiva sem sentido ele arremessa o celular para fora do carro. O aparelho vira em cacos no asfalto. “Merda, e agora”?... Seu corpo está cansado... dá um suspiro...
“Nem tudo está perdido, meu filho”... Douglas tem um sobressalto! Pensa: “De onde vem essa voz rouca de mulher? Parece um fantasma!” Coração bate apressado e de repente ele sente que alguém tocou o seu ombro. Aos poucos ele se vira e enxerga uma senhora de aparência assustadora do lado de fora do carro. Douglas pede ajuda à mulher. “Acalme-se”, diz a velha, “estou aqui para lhe ajudar, me acompanhe”...
Num súbito, Douglas sai de seu carro e segue aquela senhora. Ele tenta conversar, mas ela não responde. “Pra onde está me levando? Onde a senhora mora?”... Nada. Douglas teme, pensa em voltar atrás. De repente, enxerga um velho casebre. A velha vai em direção a ele. Douglas entra e de pronto já sente um cheiro de perfume no ar. Um perfume bom... Uma paz... Douglas estava sentindo-se assim. Ah, nada melhor que uma sensação como essa após um dia estressante de trabalho!
A velha senta-se em uma cadeira e oferece uma maçã para ele. “Não, não estou com fome. Obrigado! A senhora tem um telefone para me emprestar? Deve ter percebido o que fiz com o meu...” Douglas é interrompido: “Pegue.” A mulher ficou séria. Douglas a contragosto, pegou aquela bonita maçã e deu-lhe uma mordida. Nisso, aquela senhora perguntou-lhe: “O que sente?” Douglas ficou desconfiado. Afinal, estava ali com uma mulher que nunca tinha visto em sua vida, numa estrada deserta, numa noite totalmente funesta. Ele ali, e aquela mulher lhe olhando. Pensou em dar no pé, mas voltou atrás. A velha continuou: “Não adianta querer fugir. Foi o destino que lhe trouxe aqui”.
Deu mais uma mordida na maçã e sentou. Seus olhos nos olhos da velha. Ela rindo e ele sério. “Sei que estás desconfiado. Mas de uma coisa tenha certeza. De hoje em diante sua vida vai mudar.” Douglas deu um sorriso. Na sua mente veio a lembrança de uma vez em que fora numa cartomante prever seu futuro. “Eu não acredito em previsões”. A velha apontou para a maçã em que estava comendo. “O futuro está em suas mãos.” Douglas, então, começou a morder a maçã. Sentia fome.
“Tem esposa e filho... Eles sentem muita falta de você...” Aquela velha tinha acertado. Ele realmente não estava tendo tempo para sua família e aquilo o incomodava. Sentia-se infeliz por dentro. Angústia, dor, lamento... Mordia aquela maçã, ficara nervoso com o que a velha estava dizendo. “Seu negócio vai mal. E a partir de hoje ficará pior. Muito pior...” Douglas arrepiara-se. Soltou a maçã sobre a mesa. “Eu não vim aqui para consultar meu futuro e sim para ver se a senhora podia me ajudar. Ao invés disso, me deixou mais aborrecido ainda”. Sentiu sono, suas pálpebras pesaram. Atontou. Pediu ajuda a velha, que permaneceu imóvel. Caiu sobre um velho sofá e adormeceu...
Canto de pássaros. Luz do sol batendo no rosto. Acordara-se. Num supetão levantou e se pôs a encontrar a velha. Nada. Saiu porta a fora e levou um susto. Estava ali o seu carro. “Como pôde vir parar aqui?” Seguiu até ele e bateu arranque. Normal, o carro funcionou. A alegria estampou-se em seu rosto de uma maneira, que até esqueceu-se daquela velha e de suas previsões.
Começou a sentir um cheiro ruim. Mofo. Olhou ao redor e seu veiculo estava que era puro pó. “Nossa, que sujeira. Nem tinha percebido que meu carro estava em estado tão deplorável.” Ao sair na estrada percebeu que estava tudo estranho. Placas de sinalização, carros de modelos diferentes. Tão diferentes que ele até ficou envergonhado de sair com aquele carro. Mas seguiu viagem. Queria logo encontrar sua esposa, seu filho... Abraçá-los e dizer-lhes que agora tudo irá mudar, que vai dedicar-se mais a eles.
Enxerga a cidade. Tudo diferente, está maior. Douglas não acredita no que vê. Afinal, deixa a sua família naquela pacata cidade e viaja todos os dias vinte quilômetros até a cidade próxima, que é maior e mais perigosa, para trabalhar com seu sócio. “O que está acontecendo?” Olha para um lado, olha para outro... Decide descer no barzinho que freqüenta com seus amigos. Não há mais bar. Caminha. Sua cabeça gira, o corpo treme. Pensa no que aconteceu na noite anterior. Coisas esquisitas. Agora está ali, em outro mundo. Como pode tudo ter mudado tão de repente de uma hora para outra?
Corre para o carro. Pisa fundo no acelerador. Quer encontrar sua família, quer tentar entender o que está acontecendo. Encosta em frente ao seu prédio, desce do carro e sai correndo. Só vê gente estranha, todo mundo fica olhando. Está desesperado. Chega a porta de seu apartamento e toca a campainha. Uma, duas, três vezes. Ninguém atende. “Saco!”
Um senhor de barba branca abre a porta. Douglas o empurra e entra. “Cadê minha família?”, diz ele. “O que é isso, rapaz? Vou chamar a polícia!” Douglas anda por todo o apartamento e não encontra nada. “Minha mulher, meu filho! Onde estão?” O velho está assustado, mas ao mesmo tempo sente pena daquele pobre maluco que entrou em sua casa. “Aqui não tem mulher e nem criança. Há algum tempo morava uma mulher aqui. Vendeu-me o apartamento e mudou-se de cidade. Seu marido havia desaparecido. Já estou há dez anos aqui.”
Dez anos? Marido desaparecido? Como? Douglas saiu do sério! Avançou no velho, deu-lhe um soco, pontapé. O velho pediu clemência, que não o matasse. Lembrou-se da velha. “O futuro está em suas mãos”. Olhou para o velho. Sentiu pena. “Não, você não é o culpado.” Pegou o telefone e ligou para sua empresa, talvez seu sócio lhe desse alguma informação. Gelou as mãos, quando descobriu que aquela empresa havia falido, que um sócio dela havia desaparecido e que o outro havia morrido. Isso há dez anos...
Saiu dali feito um leão atrás de sua presa. Queria encontrar aquela senhora. O que ela teria feito? Deu meia volta no carro e partiu. Uma fúria, um desatino. A sua alma dilacerava. “Ora, aquela velha fez eu perder dez anos de minha vida. Ela vai ter que me devolver tudo!” Esse tudo era sua preciosidade, eram seus entes. Avistou o casebre. “Vou matar essa velha”. Seus olhos estavam vermelhos, devido ao seu choro e sua fúria.
Desceu. Adentrou a casa e não tinha ninguém. Tudo estava como havia deixado. Olhou para aquela maçã. A ferrugem já aparecia, estava intragável. Mas ficou admirando-a. Lembrou-se da noite anterior em que a mordia com prazer. Um prazer que ele nunca havia sentido em toda sua vida. Nem sua própria esposa não lhe tinha dado tal prazer. Achava estranho. Mas queria outra. Queria mais uma, precisava daquele sabor. E aquele perfume... O perfume dentro daquele casebre era bom. Levantou-se da cadeira e tentava procurar o que causava tal cheiro. Rodeava a casa e o cheirinho bom cada vez mais perto. Deu de frente com uma bela bandeja. Ali haviam porções de maçãs iguais aquela. Todas exalando aquele cheiro bom.
“Não toque nelas...” Douglas pulou de susto. “A sua parte já foi. Deixe para o próximo”. Douglas não entendera. Lançou um olhar demoníaco sobre a velha. Queria estrangular aquele monstro. “Acalme-se. Sua porção foi pouca. Dez anos. Lembra-se quantas mordidas deu nessa maravilhosa maçã?” Então era isso... “A senhora me fez dar dez mordidas nesta merda de maçã e me tirou dez anos de vida?” A velha abriu um sorriso e balançou a cabeça afirmativamente. “Por que achas que ainda estou neste mundo? Por causa delas. Cada mordida que alguém dá numa de minhas maçãs, perde um ano de vida e me acrescenta outro.” Douglas perdera o controle. “Bruxa, desgraçada! Arruinou minha vida!” Douglas investiu sobre a velha. Socos, tapas... E a velha ria. Ria muito. Chegava chorar de tanto que ria. Parecia que estava gostando. Foi então que sua fúria foi tão grande... que... atirou a bandeja de maçãs na velha e...
Susto! Olhara para um lado e para outro. Tudo escuro, corpo suando em bicas. Estava dentro de seu carro. Que horas seriam? Acendeu a luz interna do veículo e o seu relógio marcava 00:30. “Meu Deus, que sonho absurdo. Ainda bem que acabou”. Mas, para sua surpresa, em cima do painel do carro havia uma maçã. Levara um grande susto. Aquela maçã não estava ali antes. Num golpe, pegou aquela maçã e jogou para fora do carro. O seu pânico era grande. “Preciso sair dessa estrada mal-assombrada”. Virou a chave e o automóvel, por sorte, funcionou. “Só fez aquilo para me aborrecer, maldito!” Tudo que queria era sair dali o mais rápido possível.
Pé fundo no acelerador, mãos tremulas, nem pensava direito... Foi quando perdeu o controle e saiu da pista. Capotou diversas vezes. O carro parou. O seu corpo doía. Sentia-se leve. Uma paz tremenda, igual a que sentiu no casebre da velha. Os pensamentos vieram. Estress, trabalho, finanças... “Você não tem visão de empreendedor! Desse jeito teremos que desmanchar a nossa sociedade!” Planos, projetos, índices, vendas, pessoas... “Você não tem tempo para sua família, desse jeito não vai dar! Nem alimentar-se direito você se alimenta! Tome esta maçã. Vá comendo!” Aquilo não saiu de sua mente. “Pegue esta maçã! Vá comendo!” Douglas mal podia respirar. “Então, foi meu amor quem me deu aquela maçã! Eu não a comi. Não dei bola para aquilo!” Era isso. Pois é, Douglas. Nem pra isso você tinha tempo... Parece que seu corpo não lhe pertencia mais. Sua vista foi ficando branca. Douglas morreu...
Enquanto isso, alguns quilômetros atrás, um carro estaciona. Dele desce um senhor. Precisa aliviar sua bexiga. O homem suspira de alívio. Olha para o lado e no brilho dos faróis enxerga uma suculenta maçã. Era a maçã desprezada. “Como alguém pode perder uma preciosidade como essa?” O homem juntou-a do chão e deu-lhe uma bela mordida...

FIM

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