Conto #5 (de 19),
do 1º Concurso "Janete Clair" de Criação Ficcional
do Grupo Roteiros para Televisão (GRTV-Yahoo)
A Mente
A estrada estava tranqüila. Não havia movimento para um feriado rumo ao litoral. Todos o aguardavam ansiosamente já que a reunião com investidores lhe deixara de serão até a noite.
As árvores corriam praticamente sincronizadas e o silêncio fúnebre ao seu redor fazia com que seu pé pisasse mais forte no acelerador. Enquanto observava as pastagens no seu entorno, se recordava das ações, cotações da bolsa, esposa, contas para pagar, filhos... “Calma. A estrada é bela , arborizada. Te deixa ansioso mas é pra te deixar calmo. Entendeu? Calmo.”
Enquanto contemplava o espetáculo orquestrado pelo Reino Animalia, lembrava de Marisa. Ela é linda, meiga, doce e ainda lhe dera um filho lindo: Felipe. Igual ao pai, com o gênio da mãe e a esperteza da sogra. Trá....trá trá... o carro tremeu, ficou difícil controlar mas foi possível jogá-lo no acostamento. “Droga, o pneu furou. Cadê o estepe reserva? Estava aí, onde está? Droga!”
Noite sombria, a orquestra da natureza já se preparava para o seu segundo ato. Não era nenhum Molière, mas sim alguma história macabra de Stephen King. Como Douglas iria sair desse dilema? Frio, neblina, o pneu furado, a falta de estepe; ou seja, a calma aparente lhe dava um medo.
Ainda bem que a sua frieza nos negócios, deixavam seu rosto praticamente sereno, exceto sua sombracelha direita levemente inclinada. Enquanto pensava em formas de sair desse problema, percebia que próximo ao acostamento, bem na frente de um linda mangueira havia um casebre de duas janelas. A casa era feita de barro e telhado de sapê. O casebre lembrava muito as casas das bruxas de histórias infantis, com a diferença que a frente da casa era bem limpa, não havia matagal e lá dentro parecia haver gente, já que a luz da casa refetia como uma noite de lua cheia no acostamento da estrada.
Antes de bater palmas uma velha já estava ao seu lado lhe oferecendo ajuda. “A velha não era bruxa, ouviu?” -retrucou o homem. A velha tinha cara de avó. Doce, educada e muito alegre. Convidou ele para entrar, se proteger do frio, tomar uma água e esperar alvorecer pois a orquestra noturna a essa hora se encaminhava para o último ato.
Entrou. Sentou-se numa velha poltrona que apesar da idade ficaria ótima como decoração em sua casa de praia. Bebeu água, tomou café, comeu biscoitos e ainda a bondosa velha lhe ofereceu uma linda maçã de sobremesa. Enquanto a prosa varava a madrugada, ela dizia que seu filho morava na capital e que apesar de não vê-lo há muitos anos, entendia os problemas que ele passava... Apesar de humilde a anciã demonstrava a sabedoria do velho Sun Tzu.
Enquanto terminava o último pedaço da suculenta e saborosa maçã, a senhora começou a perguntar coisas sobre a sua esposa, seu filho, seu emprego. Estranho foi quando a velha lhe perguntou sobre como ia o Tavares. O Tavares era seu sócio-rival na empresa e sempre fazia alguma objeção durante o trabalho. Como ela poderia saber dele? Será essa mulher uma vidente?
A velha então disse que fazia previsões. Sabia do passado e mostrava o futuro. Douglas não se sentindo confortável com a conversa se levantou para ir embora. Mas a boa velhinha lhe deu um sorriso tão angelical e um pudim tão saboroso que o jovem empresário se sentaria novamente. Entre um pudim e outro a senhora começava a lhe falar sobre sua vida e família.
A senhora lhe dissera que estava casado já se fazia 10 anos e que ele não era feliz. Sua vida era fantasiosa, que ele tinha que se separar dela. Até mesmo tirá-la da sua vida. Ela e o menino.
Como uma velha pode lhe dizer uma coisa dessas? “Deixa eu levantar , eu quero ir embora.”- Respondeu ele. “Calma! Tudo está se esclarecendo. Fique calmo.”
Douglas não se conformara com o que essa bruxa havia dito. Ele era feliz, o Felipe era lindo, a Marisa a mulher da sua vida. Como desfazer tudo isso? “Era uma família feliz. “Esses velhos são todos uns malucos. Isso que dá ser atencioso a esses velhos com Alzheimer”.
Levantou irritado. Pegou sua coisas, esbarrou na mesa de centro da humilde casa e cruzou a porta como uma flecha. A senhora argumentava: “_ Você perdeu dez anos de sua vida, você não é feliz. Esqueça eles. Entendeu?”
“_ Não. Não posso. Estou feliz com eles. É minha vida, é meu fardo.” Resignou-se.
“_ Não é seu fardo. Esqueça eles ouviu. Foram 10 anos perdidos. Calma , você não tem culpa. Você tem que viver e esquecer esses 10 anos passados.”
Como essa velha pode dizer isso? Perder os 10 anos mais felizes da vida dele? Decidiu ignorar a pobre senhora que partia atrás dele. Douglas correu. A velha seguia falando. Douglas apertou mais passo. A velha o deixou ir resignada...
Já estava de manhã, sol a pino. Procurou pelo carro quebrado e ele não estava lá. A estrada que estava na sua frente não era bela. A orquestra a essa hora, não dava o seu show. Roubaram o seu carro quebrado? Pensou em voltar para o casebre. Só que não havia casebre também. Estava ele de terno e somente com uma estrada na sua frente...
Acordou trêmulo e suado no divã. Um velho senhor careca que se assemelhava ao Tavares lhe dizia umas coisas:
_ Como foi a sua viagem?
_ Cadê a Marisa, o Felipe, meu emprego? Disse ele.
_ Calma.
Estava insano, querendo sair pela porta vestido de branco. Ele falava da velha, que ela dissera para esquecer a família e que não era fardo dele. “Que fardo?”-perguntou Douglas.
_ Culpa. Disse lhe Tavares. Você não tem culpa. Sua família se foi já fazem 10 anos.
_ Para onde? Cadê eles? A velha roubou a minha vida. Foi ela!
_Calma, não é isso. Eles se acidentaram de carro com você e infelizmente eles se foram... Mas não foi a sua culpa. Siga em frente e esqueça-os!
O jovem rapaz estava louco. Não aceitando o que ouvira. Sua família estava morta? Ele estava 10 anos casado e feliz. Como pode? “Não pode ser verdade isso”. No instante em que ainda questionava, entrava dois enfermeiros para segurá-lo e injetar mais uma dose de tranqüilizante.
O doutor explicava para a mãe de Douglas. “Ele teve uma grande melhora”. A Hipnose Regressiva tem surtido efeitos. Pelo menos agora ele sabe que a família dele morreu.
_ Graças a Deus. Meu filho perdeu 10 anos de vida nesse hospital, doutor Tavares. Há perspectiva de melhora? Perguntou a mãe aflita.
_Sem dúvida. Ele já mistura a realidade com o seu mundo idealizado. Isso é bom sinal. Breve poderemos narrar uma estrada bonita com um caminho totalmente novo. Assim ele se livra definitivamente da culpa. Respondeu Tavares.
Enquanto terminavam de aplicar a dose ainda atordoado pela revelação, viu a sua mãe chorando na sua frente. Se lembrava de quando era criança. Observava uma nova estrada. Sua mente se embaralhava... Voltava novamente e lembrava que sua mãe se chamava Narcisa... Escureceu de novo a vista...
Antes de entrar em sono profundo olhou para a sua mãe e disse:
_É ela Tavares, a velha que me deu a maçã e mandou esquecer a minha família. Tira ela daqui! Sai daqui sua bruxa! Ela roubou a minha vida! Tira ela daqui Tavares! Bruxa! Sai Bruxa!
E assim sua mãe saiu cabisbaixa, e com os olhos cheios de água, antes de o jovem apagar totalmente.
“Você ta calmo. A estrada é bonita. O carro desliza sobre a paisagem..."
FIM
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