02 maio 2006

Conto #1 - A Cabana, a Velha e a Ampulheta

Conto #1 (de 19),
do 1º Concurso "Janete Clair" de Criação Ficcional
do Grupo Roteiros para Televisão (GRTV-Yahoo)


A Cabana, a Velha e a Ampulheta


Douglas dirigia sozinho pela rodovia observando as nuvens, estava as achando bonitas, pareciam algodão no céu azul. Lembrou-se que toda aquela “fumaça de água” já foi líquido correndo nos rios e iria voltar a ser líquido, quando chovesse. Pensou na água, como a água era linda! Brilhante e fluída. Pensava quantas coisas maravilhosas existiam no mundo e ninguém prestava atenção.
Mas isso não significava que Douglas costumava prestar atenção, ou que fosse um homem sensível, filósofo, sábio, harmonioso, que costumava contemplar as belezas do mundo todos os dias. Ao contrário, pensava nisso justamente por causa de sua frieza e insensibilidade. Estava enfrentando um grande problema, uma grande conseqüência de seu jeito de ser. E pensava nas maravilhas do mundo para esquecer, num ato desesperado, o que acabou de lembrar: seu filho Luciano.
Luciano estava sendo processado por causa de uma laje que caiu em cima de trabalhadores em uma construção. Um deles morreu. Aquele era o dia do julgamento. Luciano estava com 31 anos e era o engenheiro responsável na construtora do pai. Douglas dirigia pela rodovia para esquecer tudo aquilo, principalmente porque se sentia culpado, o filho nunca quis ser engenheiro, o pai praticamente o subornara para que seguisse aquela carreira. Subornara com sonhos, perspectivas de um trabalho em conjunto marcado por glórias e sucessos. Mas Douglas não percebeu que incutiu os seus próprios sonhos no filho, em vez de motivá-lo para que seguisse os dele.
Lembrou-se de quando Luciano era pequeno e dizia que quando crescesse seria astronauta. Douglas ficou com medo do menino se perder nesse sonho de criança e não virar nada, e cortou o mal pela raiz. Mas melhor seria se tivesse deixado ele ficar com o seu sonho.
Toda aquela bela paisagem de repente nublou e se tornou cinzenta, a beleza do céu ficou feia. Até o carro enguiçou, em frente a uma cabana. Douglas ficou um pouco encafifado. Que coisa! Nunca tinha visto nenhuma cabana por ali. Achou estranho. Olhou o motor do carro, a água do radiador havia secado.
Olhou para a cabana e, apesar de estar achando muito estranho sua presença ali, entrou no carro e estacionou na frente dela. Era um homem corajoso, não ficava remoendo desconfianças. Na verdade tinha mesmo é que ficar contente. Muita sorte aparecer uma cabana ali.
Foi até lá e bateu na porta. Ninguém atendeu. Como a porta estava entreaberta, acabou de abrir e entrou. O interior era sombrio. Alguns minutos depois, uma velha apareceu e o olhou com curiosidade. Douglas se desculpou e pediu um pouco de água para ele pôr no radiador do carro. Ela disse que ele iria ter que esperar um pouco para sair novamente da cabana, ele imaginou que ela tivesse soltado um cachorro, ou estivesse começando a chover, ou alguma coisa assim.
A velha então disse-lhe que estava com cara de quem tinha sede e fome. Ele respondeu que ela não precisava se preocupar, pois ele queria mesmo era chegar logo na cidade, precisava acompanhar o julgamento do filho.
A velha não lhe deu importância, e repetiu que ele não poderia sair dali naquele momento, falou de um jeito estranho. Depois disse que iria lhe dar algo que matava a fome e a sede ao mesmo tempo e entrou na cozinha, que parecia uma cozinha de bruxa, com panelas grandes e ingredientes estranhos pendurados para todos os lados. Aliás, toda a casa parecia casa de bruxa. Douglas não era desconfiado, como foi dito antes, mas aquela casa parecia daquelas que tinha nos gibis da sua infância. Com objetos escuros, paredes escuras e teias de aranha. Na sala, sofá de veludo vermelho, rasgado no lugar onde se senta. Ele não sabia precisar se veludo vermelho era coisa de bruxa, mas achou tudo muito estranho.
Logo depois a velha voltou lustrando algo com um pano, e, depois de muito lustrar, desembrulhou a coisa e deu-lhe. Era uma maçã. Ele não deixou transparecer, mas levou um susto, pois este ato lhe remeteu a algo que ouvira em sua infância. Mas não conseguia lembrar exatamente o que era, pois Douglas era um homem muitíssimo ocupado, não tinha tempo para ficar guardando na memória assuntos sem importância, como as bobeiras da infância. Sim, porque para ele, tudo que tinha relação com criança era bobeira.
A velha o olhou e perguntou por que estava com os olhos arregalados. Neste momento Douglas percebeu que deixou transparecer um pouco da sua surpresa. Mas como ele era um homem que não gostava de expor suas fraquezas, respondeu que era impressão dela. Ela fingiu que acreditou e sorriu entregando-lhe a maçã. Mas o sorriso dela, para ele, foi maquiavélico. Sorriso de gente que está maquinando algum plano terrível.
Douglas pegou a maçã, e novamente a sensação de que já havia visto aquela cena tomou conta dos seus pensamentos. Tentava, mas não conseguia se lembrar do que era, só se lembrava de que não era coisa boa. Mas, como sempre faz, deixou para lá. Só podia ser bobeira. Coisa de criança é tudo bobagem.
Olhou para a maçã e, perturbado, percebeu que estava com medo. A velha ficou esperando Douglas comer, e ele não comia. Rodava a maçã procurando por uma lagarta. Se tivesse uma lagarta, tinha uma desculpa para não comer. Mas não, a maçã era linda, perfeita. Tão perfeita que parecia uma daquelas maçãs da cesta da bruxa da história da... Lembrou! Branca de Neve! Era isso o que estava querendo lembrar e não conseguia. Ficou pensando que se comesse a maçã poderia desmaiar e só um príncipe iria salvá-lo. Nesse caso, pensou, iria ter que ser princesa, porque se aparecesse príncipe ele ia preferir ficar desmaiado para o resto da vida!
A velha perguntou se ele não ia deixar de ficar olhando para a maçã e comê-la logo. Ele novamente caiu na real e se sentiu estranho por estar pensando aquelas coisas. Teria duas opções, ou não comia e deixava ela perceber que estava com medo, ou teria que comer. Mas como Douglas era um homem orgulhoso, ele nunca iria admitir isso, ainda mais que seu medo provinha das lembranças de uma ingênua historinha de crianças. Então resolveu comer a maçã.
Desse ponto em diante, Douglas não sabe se o que aconteceu foi sonho ou foi verdade. A velha rodou várias vezes em volta dele, ou ele se sentia rodando? Ela colocou uma enorme ampulheta sobre a mesa da sala, virou para que uma areia azul brilhante começasse a cair para o outro lado, e depois disse que ele só poderia sair daquela cabana depois que a ampulheta fosse virada por cem vezes. Disse ainda que não sabia porque ele havia conseguido entrar ali, mas que, com certeza, havia uma boa razão para isso. Douglas desmaiou.
Quando acordou, estava deitado em cima de uma cama horrível, suja e fedorenta. Deu um pulo de nojo. Olhou pela fresta da porta, a velha parecia estar medindo a posição do sol através de uma fresta que tinha no telhado da sala. Tinha uma vassoura encostada na parede. Imaginou que ela devia estar preparando uma decolagem. Tudo nela remetia os seus pensamentos às bruxas das historinhas infantis.
Mas, neste momento lembrou-se de que era um homem racional e que bruxas não existiam. Balançou a cabeça para tirar essas coisas do pensamento. Viu a ampulheta ao lado da cama, o que o fez também lembrar do que ela havia dito sobre esperar cem vezes a areia cair para o outro lado. Passou a mão pelo rosto, pelo tamanho da barba devia estar ali por alguns bocados de dias. Achou tudo uma maluquice. Precisava ir embora rápido. Aproveitou um momento em que a velha saiu da sala e fugiu.
Antes tinha que colocar água no radiador, mas não conseguiu abrir o capô, o carro estava todo enferrujado e velho. Tentou olhar para o interior pelos vidros, tudo estava empoeirado e enferrujado. Conseguiu abrir a porta do motorista depois de algum esforço, entrou, a chave nem rodava, estava emperrada. Parecia mais um ferro velho. Douglas foi embora a pé.
Na estrada, enquanto caminhava, voltou a olhar para o céu, tentando retomar seus pensamentos de antes do carro enguiçar, mas o céu estava diferente. É claro, tinha nuvens e o azul de sempre. Mas estava diferente. Douglas não sabia dizer o quê, mas sentia que algo havia se modificado.
De repente, passou um carro que lhe chamou a atenção. Era de um modelo que ele nunca tinha visto antes, e o que mais o impressionou foi o fato do carro não ser tão novo. Se fosse novo, tudo bem, poderia ser um lançamento. Porque ele nunca havia visto aquele modelo? Logo ele, que era um homem tão “antenado”?
Douglas caminhou por mais ou menos duas horas antes de chegar na cidade, e várias coisas estranhas aconteceram pelo caminho. Passaram mais alguns carros com modelos que ele não conhecia. Algumas construções na beira da estrada ele jurava que não estavam lá. E o pior aconteceu quando chegou na cidade. Tinha muita coisa que não existia antes, e algumas coisas que existiam antes, haviam sumido!
Finalmente chegou em sua casa, que também estava bem diferente, as plantas do jardim, maiores, a pintura mais nova. Ele não se lembrava de ter feito a pintura recentemente. Pegou sua chave para abrir a porta da sala e não conseguiu abrir, até que tocou a campainha. Pensou que todos deviam estar preocupados e iriam ficar transtornados com o seu estado, porém, quem ficou transtornado foi ele. Sua esposa abriu, e estava mais velha. O que era aquilo? Será que era a sogra que havia feito plástica?
- Até que enfim, hein? Entra logo, Douglas! Que roupa é essa? E que sujeira, hein? Veio de alguma obra? Sua barba parece que cresceu hoje! Vai se arrumar! A Daniela está quase doida te esperando, você está atrasado para o casamento!
- Que casamento?
- Meu Deus, meu bem! Você bebeu? O casamento dela! Esqueceu-se do casamento de sua filha? Esqueceu que vai entrar na igreja com ela hoje?
- Casamento da minha filha? Com 15 anos?
- Que 15 anos, Douglas? Você está ficando maluco? Ela está com 25 anos!
Douglas estava estupefato. Não entendia o que estava acontecendo. Sua mulher o empurrou para o banheiro, e praticamente enfiou a roupa em um homem imóvel como uma estátua. Ele não sabia se estava sonhando ou o quê. Concluiu que só podia ser sonho e ficou esperando acordar.
- Onde está o Luciano? E o julgamento?
- Meu amor! Por favor, não vamos lembrar disso agora!
Douglas, sem entender nada foi para a igreja com sua filha de 25 anos. Olhava para ela assustado, e ela estranhou o jeito do pai. Ele ficou totalmente perdido durante todo o casamento. Na festa foi pior ainda, pois as pessoas vinham cumprimentá-lo e ele custava a se lembrar de quem eram. Todas estavam mais velhas, e algumas crianças que diziam conhecê-lo, ele nunca havia visto. E o noivo então! Aquele vizinho chato que chegava todos os dias de madrugada com aquele carro “turbinado” que acordava toda a vizinhança! Douglas mudou de idéia, não era sonho, era pesadelo.
Na semana seguinte, alguns problemas no trabalho o tiraram do sério, porque estava por fora de todos os assuntos. E sua secretária era outra. Os funcionários eram outros, os assuntos eram outros, o prédio estava diferente. O engenheiro responsável não era Luciano, e sim, outro engenheiro. Douglas se esforçava para tentar lembrar o que havia acontecido, mas não conseguia. Tudo piorou quando ficou sabendo de Luciano: se suicidara na cadeia anos antes. Passaram-se os dias, Douglas foi afastado da diretoria da empresa e internado em um hospital psiquiátrico por sua família.
Um dia, fugiu do hospital e saiu andando sem rumo. Andou até chegar a uma rodovia, e continuou andando. Andou por dias e dias, até que passou em frente a uma cabana. Havia um carro velho parado na frente dela. Douglas achou tudo muito familiar, fazia tempo que não tinha este sentimento, o de reconhecer algo. Resolveu se aproximar.
Chegou perto do carro, uma sensação de já ter visto aquilo antes lhe veio à mente. Aproximou-se do vidro da janela, o carro estava bastante enferrujado. Abriu a porta, com certa dificuldade, pois estava emperrada. Olhou por dentro e lembrou-se. Aquele carro era dele! Lembrou-se de tudo: existiu um dia em que olhava a beleza das nuvens, a água do radiador secou, viu aquela cabana, estacionou o carro, entrou na casa, a velha, a ampulheta...
Percebeu que desde aquele dia que as coisas mudaram em sua vida. Tudo mudou a partir daquela velhota, daquela cabana. Bateu na porta, novamente ninguém atendeu. Novamente ele entrou. Novamente a velha apareceu e o olhou com curiosidade. Depois disse:
- Você?
- O que você fez com a minha vida?
- Eu não fiz nada.
- Fez sim!
- Você é culpado de tudo!
- Culpado do quê?! Eu sou uma vítima sua! Você é uma bruxa!
A velha ficou nervosa. Com que permissão Douglas estava interrompendo os seus trabalhos? De repente ela se tornou grande e poderosa, parecia ocupar todo o interior da cabana, seus olhos se tornaram sombrios, falava com uma voz que ecoava para todos os lados, dizendo a Douglas que havia avisado a ele que deveria esperar a ampulheta ser virada cem vezes, que se ele não mudasse a forma como encarava a vida e não adquirisse a sensibilidade para acreditar nas pessoas certas, a cada dia que passasse sua vida iria piorar.
Ele perguntou o porquê disso tudo e quem ela era. A velha lhe explicou que dali, ela controlava todo o tempo do mundo. Aquela ampulheta era uma de suas ferramenta de trabalho. E que dentro da cabana não existia o tempo, ou melhor, ali estavam todos os tempos juntos. Portanto, se alguém entrasse ali, não podia sair a qualquer hora, pois poderia descontrolar seu tempo de vida. E também que ele entrou lá porque Alguém o deixou entrar. Aquela cabana ninguém vê, e se ele viu, é porque Alguém quis que visse.
Explicou ainda, que a partir do momento que ela colocou a ampulheta para trabalhar, cada vez que a areia passasse totalmente para a parte inferior, esse tempo seria equivalente a um ano de vida dele. E esses anos seriam contados a partir da idade que ele tinha, e, quando chegasse ao ano cem da vida de Douglas, voltaria novamente ao ano zero e recomeçaria a contagem. Portanto ele precisava deixar passar cem vezes para que o tempo retornasse a sua idade de quando entrou. Então, quando ele saiu, a ampulheta havia trabalhado dez vezes, e dez anos haviam se passado de sua vida.
Ele perguntou por que então ela o impediu de sair imediatamente, logo depois que ele entrou. Ela respondeu que se ele saísse imediatamente, não poderia garantir em qual ano de sua vida ele sairia.
- Agora, para retornar à idade que você estava quando entrou aqui pela primeira vez, você tem que deixar a ampulheta trabalhar noventa vezes.
- E quanto tempo dá isso?
- Cerca de quarenta e cinco dias.
Douglas achou muito tempo. Mas não tinha outra opção. Aceitou.
Os dias se passaram e Douglas estava feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz porque iria voltar à sua vida normal. E triste por causa do que ficara sabendo que iria acontecer com seu filho dali a alguns anos. Em um desses dias, a velha veio lhe dizer que a ampulheta havia chegado ao ano cem, e que a contagem recomeçaria.
- Então quer dizer que a partir desse momento o tempo começa a contar a partir do meu nascimento?
- Isso mesmo.
- E eu poderia dar uma saidinha em um desses anos anteriores?
A velha não gostou da idéia. Isso poderia causar confusão. Mas Douglas insistiu tanto que ela acabou cedendo. Quando chegou o ano desejado, ele perguntou-lhe como poderia escolher o dia.
- Se concentre no dia que você quer e saia. Mas, por favor! Volte!
O ano era o trinta e quatro de sua vida. O dia ele se lembrava muito bem: era o dia em que seu filho completou cinco anos. Douglas se concentrou nesse dia e saiu.
O carro não estava na frente da cabana. Ele saiu caminhando novamente pela rodovia. Mas dessa vez conseguiu carona, era uma época em que as pessoas ainda tinham coragem de dar carona a estranhos na estrada.
Douglas chegou em sua casa. Bateu, sua esposa, com vinte e oito anos, linda de morrer, abriu a porta. Douglas se emocionou. Passou um belo dia com sua família. De noite chegaria o grande momento, o porquê dele haver pedido para voltar àquele tempo.
Estava sentado no sofá da sala, assistindo o noticiário da TV, seu filho Luciano, então com cinco anos, saiu do quarto com um papel na mão. Douglas sorriu. Tudo igualzinho àquele dia. Luciano então se aproximou do pai, mostrou o desenho e perguntou:
- Pai, eu quero ser astronauta. O que o senhor acha do meu foguete?
Mas, que coisa linda seu filho, tão pequeno, tão meigo. Como não havia notado tanta beleza nele quando passara por aquela época? O desenho que ele fez era simples, de criança, pintado com aquarela. Como tivera tamanha coragem de dizer que aquele era o desenho mais feio que tinha visto, e que ele nunca conseguiria ser astronauta, porque na verdade essa história do Homem ir à Lua era tudo mentira, apenas por medo do filho levar a idéia de astronauta adiante e não se formar em engenharia, como o pai queria que ele fosse?
Depois que falou isso, o filho nunca mais tocou em assunto de foguete. E Douglas naquele momento pensou, que se não tivesse falado dessa forma, quem sabe o filho não seria um piloto de aviões, ou um engenheiro mecânico formado no ITA?
Mas agora a vida magicamente lhe deu uma segunda chance, então virou-se para o filho e disse:
- Este é o desenho mais lindo que já vi no mundo e você vai ser o astronauta mais corajoso!
- Obrigado, papai!
Luciano pulou no colo do pai e o beijou. Douglas o viu voltar para o quarto. Levantou-se do sofá, alcançou a rua e tomou o rumo da cabana. Quando chegou, tudo estava limpo e brilhante. A cabana estava transformada. A velha nem era velha mais. Era uma bela duma coroa.
Douglas ficou mais alguns dias para completar a contagem da ampulheta. Perguntou à senhora o porquê de “cem”. Ela lhe disse que o corpo do homem possui a garantia de cem anos, portanto, se usa essa idade como base de cálculos. Ele então perguntou por que a maioria não chega aos cem anos.
- Quando você compra uma roupa que garantem ser duradoura e de boa qualidade, isso quer dizer que quando chegar em casa pode jogar essa roupa na fogueira e ela não vai se queimar?
Douglas calou-se.
Quando a contagem da ampulheta chegou a cem, finalmente chegou o dia de deixar a cabana. Concentrou-se no dia em que dirigia o carro pela rodovia e saiu. Seu carro estava ali, no mesmo lugar, colocou água no radiador, entrou, ligou o motor, olhou para a senhora e falou:
- Antes de dizer Adeus, só mais uma coisinha.
- Pode dizer.
- Porque eu via a cabana suja e você velha quando cheguei?
- Porque esta cabana também serve como espelho.
Douglas se foi. Chegou em casa, sua sobrinha o esperava na porta.
- Corre, tio! Corre! O senhor vai perder!
Pensou que deveria já estar acontecendo o julgamento de Luciano.
- O Luciano, tio! Corre!
Era o Luciano mesmo. O coração de Douglas gelou. Entrou rápido e com medo. Todos estavam na sala: mãe, pai, sogro, sogra, irmãos, irmãs, cunhados, cunhadas, sobrinhos, sobrinhas e repórter com câmera e tudo! Todos em frente à TV. Mas a filha e a esposa não estavam. Quase desmaiou, pois o negócio devia ter ficado pior, o julgamento estava até passando na TV! Tinha até a imprensa na sua casa!
- Vem sentar aqui, Douglas! Rápido!Douglas sentou-se no sofá. Estava tão perturbado que nem conseguia enxergar a TV, nem conseguia enxergar as pessoas. Uma contagem regressiva começou a acontecer, quando soou o “zero”, um estrondo, e na TV, um foguete decolava enquanto todos sorriam, choravam e batiam palmas ao mesmo tempo. O foguete subia cada vez mais no espaço, depois de alguns minutos, uma imagem mostrou sua esposa e sua filha observando de perto o foguete, emocionadas. Depois, outra imagem do interior do foguete aparece, um astronauta faz sinal para a câmera, em sua roupa, a bandeira do Brasil. O câmera-man que estava dentro de sua casa o filma. Ele se vê na TV enquanto o locutor o apresenta como o pai do astronauta Luciano.

Um comentário:

LEONARDO DE MORAES disse...
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