28 abril 2006

Conto #15 - O Relógio

Conto #15 (de 19),
do 1º Concurso "Janete Clair" de Criação Ficcional
do Grupo Roteiros para Televisão (GRTV-Yahoo)


O RELÓGIO


Chovia muito naquela noite em que Douglas, um jovem empresário do ramo de informática, voltava de uma reunião de negócios. Douglas estava numa felicidade esfuzian-te, acabara de fechar um super contrato, um contrato que lhe dará a tranquilidade financei-ra, para enfim, casar com Patrícia, da qual é noivo, a mais ou menos sete anos.
Patrícia era apaixonada por Douglas, sentia por ele, um amor incondicional e Dou-glas por sua vez, retribua aquele amor, apaixonadamente. Pareciam que os dois viviam um amor de várias vidas, de tanto que se completavam.
A pressão para que os dois casassem, era constante, mas Douglas e Patrícia, sempre ponderavam, queriam a estabilidade de uma vida segura. Douglas não fugia de suas respon-sabilidades e desde cedo, sempre soube o quis, trabalhar com informática.
Douglas, que nunca foi uma pessoa rica, estudou e trabalhou, e quando menos espe-rava, recebeu a oportunidade de se associar a uma pequena empresa de montagem, manu-tenção e comércio de equipamentos de informática.
Como tudo na vida precisa de muito trabalho, Douglas gerenciava os negócios, tra-balhando em média, dez horas por dia. Tinha vontade de crescer e conseguiu agendar uma reunião com o dono de uma das maiores redes de supermercados de São Paulo, queria for-necer todo o equipamento de informática para todas as lojas da rede.
Ele estava confiante, e partiu para reunião com uma proposta que achava irrecusá-vel. Não deu outra, fechou o contrato. Era a independência financeira, o casamento com Pa-trícia. Deixaria de ser um microempresário, para ser um empresário de verdade. Feliz da vi-da, já sabia tudo que iria fazer. Com o adiantamento que receberia por conta do contrato, iria comprar um belo apartamento e marcar a data do casamento com Patrícia.
A felicidade de Douglas era tamanha, que por distração, acabou errando a entrada para a Rodovia que o levaria em direção à sua cidade e, quando deu por sí, estava trafegan-do em uma estradinha de terra, completamente deserta.
De repente, uma chuva torrencial começa a cair, Douglas passou da felicidade para a agonia, pois rodava e rodova e não conseguia achar um retorno que o levasse à Rodovia principal. Douglas não acreditava no que estava acontecendo, tanta felicidade, tantas novi-dades para contar à Patrícia e ele ali, perdido, em uma estrada de terra, sob uma chuva que aquela altura, já parecia um dilúvio.
Ele respirou fundo e disse para si mesmo – Calma, Douglas! Num dia tão especial como esse, isso é passageiro. Calma, que você encontra a saída.
E aquele dia, que havia sido maravilhoso, se transformou em uma noite de pesadelo, e quando Douglas achava que nada mais tinha pra dar errado, deu. Seu carro começou a pi-pocar, o motor a falhar, ele foi parando, parando, parando e parou!...
Douglas se viu ali, naquela estrada de terra, mal iluminada, sob uma chuva que caia sem cessar, e com o carro quebrado. Sentou-se sobre um pedra e rogou:
- Por quê isso, meu Deus?
Patrícia a essa altura, já estava preocupadíssima, pois após fechar o contrato, Dou-glas a ligou e pediu-lhe que ficasse linda, pois iriam ter uma noite especial. Patrícia saiu do trabalho mais cedo, passou no salão de beleza, fez as unhas, fez escova, se produziu toda para aquela noite tão especial. As horas passavam e nada de Douglas aparecer. Patrícia in-sistia no celular, que insistia em dar caixa postal. Começou a se preocupar, achando que al-go de realmente grave, tinha acontecido com ele.
Sentindo-se perdido, Douglas, aquela altura, era só desespero, nem parecia que tive-ra vivido, o dia mais feliz de sua vida. Mas, como tudo na vida, nada está perdido, no meio
1.
daquela chuvarada, Douglas avistou um ponto de luz, e partiu em direção a ele, pensando que talvez lá houvesse um telefone no qual ele pudesse pedir ajuda, chamar o guincho, avi-sar Patrícia...
Ao se aproximar, avistou um casebre rústico, muito simples, parecia abandonado, pensou em desistir, duvidou que ali houvesse uma alma viva que pudesse lhe ajudar. Telefone então, nem pensar, e ele estava certo. Completamente encharcado, tratou de bater palmas e já quando estava por desistir, foi recebido por uma velhinha muito simpática e que se mostrou muito prestativa, o convidou para entrar em seu humilde casebre e ofereceu-lhe uma toalha para que se enxugasse, um bom prato de comida, e cama para que pudesse des-cansar.
Douglas não achou a idéia de todo mal, pois todo aquele desencontro, acabou por deixá-lo extremamente estressado. Agradeceu e aceitou tudo que lhe fora oferecido por aquela velhinha tão simpática. Após se enxugar, Douglas tratou de tomar aquele prato de sopa quentinha. Enquanto tomava a sopa, pensava ora no contrato que acabara de fechar, ora em Patrícia, que a essa hora, já deveria estar muito preocupada. Mas, uma coisa o intri-gava e o deixava muito preocupado. Como uma velhinha de aparência tão frágil podia viver em um lugar tão distante e sozinha, e não temer o perigo a que se expunha? E se ele fosse um ladrão, um assassino? De repente, a velhinha se aproximou de Douglas, passou-lhe a mão sobre os cabelos e lhe ofereceu uma maça. Douglas, já bastante calmo e certo de que não iria sair dali antes do amanhecer, não pensou duas vezes, pegou a maça e tacou-lhe uma enorme dentada. A velhinha, com um olhar sereno, lhe disse:
- Quando o relógio trocar a noite pelo dia, sua vida terá ficado para trás!
Douglas mal escutou o que a velhinha lhe disse e caiu de sono sobre um velho sofá que mobiliava aquela saleta iluminada por um rabicho de luz pendurado no teto.
Quando amanheceu, Douglas levantou-se todo animado, parecia que tinha dormido anos, procurou pela velhinha, mas, não conseguiu encontrá-la, estranhou o casebre com as portas e janelas abertas, saiu e achou-o mais acabado do qie quando entrou. Saiu em dire-ção ao seu carro, desesperou ao não encontrá-lo. Sem saber o que fazer, não perdeu tempo, achando que seu carro pudesse ter sido roubado, seguiu aquela estradinha e nunca foi tão fácil encontrar a Rodovia, agradeceu aos céus quando um caminhoneiro ofereceu-lhe caro-na. Ao chegar à sua cidade, saiu em disparada ansioso para contar todas as novidades à Pa-trícia.
No caminho, achou que havia algo de estranho no ar, ele notou que a cidade estava diferente. Quando chegou à casa de Patrícia, teve uma grande surpresa, ela não morava lá, ninguém se quer a conhecia. Foi então até a sua casa, não tinha mais casa, no endereço, há-via um edifício de vinte e três andares. Douglas ficou se entender. Partiu para sua loja, e nada! Procurou seus amigos, não achou ninguém. Ninguém o conhecia, ele não conhecia nada. Douglas ficou apavorado. O que teria acontecido? Achou que iria enlouquecer! Ele percorreu todos os lugares, inúmeras e inúmeras vezes, de repente, se deparou com uma fo-lha de jornal solta ao vento e ao interceptá-la, descobriu o inimaginável. Haviam passado dez anos.
Douglas se desesperou! Cético, não acreditava no que estava lendo naquela folha de jornal solta ao vento e rogou por uma explicação:
- Alguém pode me dizer o que aconteceu com a minha vida?
Seus planos, sua vida, tudo estava de pernas para o ar. Onde andará o seu amor da vida inteira? Para aonde levaram a vida que ele sonhou? Douglas estava desconsertado. Co-mo tudo mudou assim tão de repente? Da noite pro dia sua vida ficou pra trás!
Tudo que ele lembrava, era a reunião no dia anterior, do contrato que fechou, do
2.
carro que quebrou, do casebre, da velhinha...
Ele então se lembou das palavras que aquela pobre velhinha simpática, a qual havia encontrado, e que tinha o tratado com tanto carinho lhe havia dito, mas, custou a acreditar que pudesse haver alguma ligação com o que estava lhe acontecendo.
E ao lembrar do momento em que acordou e não encontrou ninguém, bradou:
- Velha feiticeira, roubou dez anos de minha vida! Mas, eu acho você! Nem que seja
no fim do mundo!
Douglas então, partiu em disparada rumo aquela estrada que ele não tinha a mínima idéia onde ficava e nem como faria para localizá-la. Passou dias e dias andando, se defi-nhou, emagreceu, perdeu os sapatos, a barba cresceu, enlouqueceu. A cada dia que passava, viva torcendo para que tivesse outra vez uma noite igual aquela, com muita chuva, que o le-vasse ao encontro daquele lugar, na esperança de que assim, pudesse recuperar os anos que lhe foram roubados.
Até onde se sabe, ninguém nunca soube direito o que aconteceu de verdade e, tal-vez, nunca venham a saber.

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