06 setembro 2006

Roteiro#3 - Acorrentados

ACORRENTADOS

PERSONAGENS
LUCIA- advogada, 35 anos, viúva. Mata o noivo (Léo) no dia do seu casamento e não consegue mais se libertar deste fantasma. Sua fisionomia é de cansaço, de desânimo. Ela deve expressar a idéia de uma pessoa que vive apenas por viver, sem perspectivas, sonhos ou objetivos.
Lucia estará com o mesmo vestido de noiva do dia do casamento, mas a roupa está toda rasgada, desbotada e com marcas de sangue acumuladas pelo tempo. Os cabelos são mau tratados. A imagem é de muita fragilidade.

LEONARDO (LÉO)- empresário, 36 anos, morto pela noiva (Lucia) no dia do casamento. Apesar de ser um fantasma das lembranças de Lucia aparece para ela com a mesma imagem que tinha no dia do casamento, por isso, seu terno preto estará rasgado por causa da luta antes da morte.
Seu comportamento deve ser o de uma pessoa revoltada e com muito ódio.

CENÁRIO
Apartamento de classe média. A imagem que deve ser passada ao público é que o local passou por uma guerra, pois toda a mobília do apartamento está quebrada ou espalhada pelo chão, pelas poltronas e demais cômodos da casa.

OBJETOS CÊNICOS
Os atores contracenarão durante toda cena apenas na sala de estar. Esta, por sua vez, terá apenas duas cadeiras de madeiras intactas, as únicas que restaram no apartamento. As cadeiras devem estar estrategicamente colocadas uma de frente para a outra, separadas apenas por ramalhetes de flores que estarão espalhadas por todo apartamento, assim como caixas e presentes do casamento. Lucia não se desgrudará de um buquê de flores do campo murchas.


CENA 1- SALA DO APARTAMENTO LÚCIA/LÉO/INTERIOR/NOITE
A cena inicia-se com Lúcia e Léo sentados um de frente para o outro. Lúcia está com o olhar perdido e segura um buquê de flores no colo. Léo está com a cabeça baixa. Toca uma música estilo Enya que com o início da fala de Lúcia deve ficar apenas como som de ambiente, sem interferir na fala dos atores.


LUCIA- Até quando?

LÉO- (irônico) Até quando o quê?

LUCIA- Até quando vamos ficar aprisionados neste lugar?

LÉO- (com raiva)- Foi você quem nos colocou aqui. A culpa por tudo o que aconteceu é sua, tão somente sua, de mais ninguém!!

LÚCIA- (com voz de choro)- Eu não queria nada disso. Eu não planejei nada. Foi um acidente.

LÉO- Não seja hipócrita (gritando). Você tem noção do que fez com a minha vida? Você destruiu todos os meus sonhos, interrompeu o meu futuro. Por quê? Eu só me pergunto o porquê de tanto ódio?

LUCIA- (o choro é mais intenso)- Não fala assim. Pelo amor de Deus. Não me faça sentir mais culpada do que eu já estou. (levantando-se da cadeira. Ela circula por todo o cômodo como se quisesse vê-lo e leva junto o buquê). Léo, se eu pudesse voltar o tempo...Eu..nunca senti ódio de você. Mas eu também não sentia amor.

LÉO (explodindo)- Cala a boca sua maldita. Não me faça sentir mais ódio de você. Na verdade, o que sinto não é ódio. È pena!!. Você destruiu a minha vida, mas também destruiu a sua.

LUCIA- Isso me atormenta todos os dias. È por isso que não consigo sair deste apartamento. Estou presa neste lugar. Tenho medo de sair nas ruas e das pessoas me apontarem.

LEO- E o que você gostariam que elas fizessem? Você matou um homem inocente sem ele nunca ter feito nada contra você.

LUCIA- Desde que você se foi eu nunca mais consegui vê-lo. Mas a sua voz, a sua presença não me deixam em paz. Eu não consigo dormir, não consigo comer. Eu também não vivo mais Léo. Minha alma vaga como a sua. Apenas o meu corpo físico está aqui..

LÉO- E você queria o que? (levanta-se e circula ao redor dela). Este é o preço do seu castigo. O preço que você terá que pagar até ir para o inferno que é o lugar de assassinos como você.

LUCIA- (O grito e o choro devem ficar evidentes nesta fala) - Não fale assim Léo. Eu preciso mais do que nunca do seu perdão. Eu preciso de um pouco de paz. Já faz três anos que estou presa neste lugar.

LÉO- Nunca Lucia ( com raiva). Nunca vou perdoá-la e você nunca terá paz na sua vida. Eu tinha muitos planos, sabe? (irônico). Eu sonhava com o nosso casamento para poder ser feliz, para me libertar de muitas coisas.

LUCIA- Eu tive medo Léo. Medo de que todos soubessem da verdade.

LÉO- Não seja ingênua Lúcia. Essa verdade que você quis esconder do mundo sempre esteve exposta aos olhos das pessoas. O mundo é cruel com pessoas que fogem dos padrões.

LUCIA- (nervosa). Quer dizer que você sempre soube?

LEO- Sempre Lúcia. Mas eu tinha pena de você. Queria apenas ajudà-la.

LUCIA- Se você sempre soube por quê nunca me contou?

LÉO- (ele volta a sentar-se na cadeira. Ela também senta-se de novo). Porque talvez este também fosse o meu maior segredo.

LUCIA.. (espantada) Você também é?.

LÉO- Sim Lucia. Assim como você, eu também sou gay. A única diferença é que gosto de homem e você de mulher. Eu também sempre escondi esse segredo de todos e achei que me casando com uma pessoa igual a mim que juntos poderíamos viver uma vida feliz. Cada um com o seu namorado. Este seria o nosso segredo. O nosso pacto. Mas.você não me deu chances de viver este sonho.

LUCIA- Meu Deus. (arrependida)...Eu nunca imaginei isso...Se eu a menos desconfiasse...

LEO- Daí você não teria me matado não é?. Mas não foi assim que aconteceu. Hoje estou morto, distante do homem que amo e você se tornou a minha sombra. Vive atormentada pelas lembranças, com medo do próprio passado e sem poder viver o seu presente. Sem poder sonhar com um futuro. Me sinto vingado por isso.

LUCIA- Não!! (nervcsa). Eu não posso acreditar nisso. Dói demais saber que eu matei você por medo de ser descoberta e que você sempre soube de toda a verdade. Que você era igual a mim, que você não me culparia por ser diferente do resto das pessoas.(choro com dor).

LEO- Resta agora a você Lúcia, a nós dois, apenas nos acostumarmos com as correntes dos nossos destinos. Você atormentada por ser uma assassina e eu um fantasma que não consegue se desprender desse mundo. Eternamente infelizes. Eternamente juntos, como sempre desejei....

Neste momento a música deve ser mais intensa e os dois se aproximam. Mesmo sem poder vê-lo, Lúcia tem a sensação de estar protegida por ele. Léo se aproxima de Lúcia e a abraça por trás. Desta vez, a fisionomia de Lucia é de alívio e ao mesmo tempo de paz. Os dois fecham os olhos e ela deixa cair o buquê no chão.

FIM

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