06 setembro 2006

Roteiro#4 - A caneca de louça e o baú de madeira

A CANECA DE LOUÇA E O BAÚ DE MADEIRA


PERSONAGENS
Roberto – 50 anos,advogado,boa aparência,jovial.
Leonor – 48 anos,dona de casa,de aspecto decadente

CENÁRIO
Apartamento de classe média, desocupado recentemente, sem armários ou luminárias.

Objetos cênicos:
Um baú grande de madeira escura e uma caneca de louça tipo souvenir,com a foto de Roberto e Leonor,mais jovens e gravado:Felizes Para Sempre-1972.Caixas de papelão e jornais velhos.


INT.APTO.DE ROBERTO E LEONOR-SALA/NOITE
Sala de um apartamento de classe média.O cômodo está vazio, a exceção de um enorme BAÚ DE MADEIRA, desses bem antigos, semelhantes a uma arca.A sala é iluminada por LÂMPADA fraca pendurada por um fio.Uma janela grande no fim da sala está entreaberta.PAPELÕES, JORNAIS VELHOS E CAIXAS de todos os tamanhos, estão espalhados pela sala.

LEONOR, 48 anos, cabelos castanhos escuros, com a raiz branca começando a aparecer e um pouco acima do peso, está sentada em cima do baú com as pernas cruzadas.Ela usa uma CALÇA JEANS surrada e uma CAMISA AZUL ESCURA grande, usada por fora da calça.
Leonor tem nas mãos uma CANECA DE LOUÇA
PD-DA CANECA-com a foto de Leonor e Roberto e os dizeres: Roberto e Leonor: Felizes para Sempre-1972.

VOLTA A CENA

LEONOR
Tão magra, tão feliz e tão iludida.

Close-up-do olhar de Leonor percorrendo a sala vazia.

VOLTA A CENA

BARULHO DE MOTOR DE CARRO
Leonor, deixa a caneca em cima do baú e vai até a janela:
POV LEONOR
Um homem (ROBERTO) salta do carro e nervosamente olha ao redor.

VOLTA A CENA

LEONOR
(sorrindo)
Pontual como sempre.

Roberto ENTRA na sala recuando um pouco diante da escuridão quase total.Roberto possui um aspecto simpático e jovial.

ROBERTO
Leonor?Você tá aí?

Leonor caminha em direção a Roberto.

LEONOR
Aqui.

Leonor oferece a face para ser beijada, mas Roberto hesita.Ele olha ao redor desconfiado.

ROBERTO
Por que você me chamou aqui?Não posso me demorar.Tenho que ir para o aeroporto.

Leonor mete a mão no bolso traseiro do jeans e retira uma CARTEIRA DE CIGARROS, apanha um cigarro bastante amassado e coloca na boca.

LEONOR
Tem fogo?

Leonor sorri maliciosa

ROBERTO
Você sabe que eu não fumo e detesto cheiro de cigarro.

LEONOR
(riscando um fósforo)
Mas ela fuma, não é mesmo?O cigarro dela é perfumado por acaso?

ROBERTO
Não comece Leonor.Não quero falar sobre isso.

LEONOR
(acendendo o cigarro)
Claro que não quer.Por que você se importaria com o cheiro do cigarro da sua amante, não é mesmo?

Leonor dá uma longa tragada, se aproxima de Roberto e sopra a fumaça no rosto dele, falando ao mesmo tempo.

LEONOR
Amantes são sempre tão perfeitas.Arrumadas, sem preocupações com filhos, casa, empregadas e o melhor de tudo:

Leonor levanta um pouco a blusa e acaricia seu sexo.

LEONOR (cont.).
Sempre prontas pra foder.Verdadeiras máquinas de trepar.

Roberto se afasta de Leonor e senta no baú, apanha a caneca e olha para ela com indiferença.

ROBERTO
Detesto quando você é vulgar e ultimamente

LEONOR
Desde de que você começou esse seu casinho com aquela vagabunda que você detesta tudo em mim.

Leonor se aproxima, apanha a caneca das mãos de Roberto e corre o dedo pela superfície do baú.

LEONOR
Esse baú e essa caneca são as únicas coisas que vou levar dos nossos 34 anos decasamento.

Leonor dá uma risada sarcástica.

LEONOR
Além de um belo par de chifres, naturalmente.Mas quem se importa?

Roberto levanta e olha firmemente para Leonor.

ROBERTO
Você torna tudo tão sujo.Eu me apaixonei.E se você não tem nada para me dizer então

Leonor dá uma última tragada, joga o cigarro no chão e amassa-o com pé demoradamente.
Roberto anda de um lado a outro da sala, vai até a janela, debruçando-se sobre o parapeito.

ROBERTO
Eu preciso ir.

Leonor se aproxima de Roberto pelas costas, suas mãos percorrem a base da espinha dele.

LEONOR
Eu quero fazer amor pela última vez com você.Pode ser no chão ou quem sabe ali

Leonor faz um gesto com a cabeça em direção ao baú de madeira.

ROBERTO
Pare com isso Leonor,eu não quero magoar você.

Leonor crava as unhas com força nas costas de Roberto.Ele grita.

ROBERTO
Você enlouqueceu?

LEONOR(sussurrando)
Mágoa?Eu sei tudo sobre esse sentimento.
Aprendi na prática.Volte para mim.

Roberto olha para Leonor e ela recua diante do seu olhar.

ROBERTO
Eu nunca vou voltar pra você.Nunca!
Acabou Leonor.Reconstrua a sua vida.Eu vou reconstruir a minha

LEONOR
(interrompendo)
Como você pode me trocar por aquela piranha?Eu sou a mãe de seus filhos e ela é apenas uma puta.

Leonor avança em direção a Roberto e começa a bater nele com força.

LEONOR (cont.).
Puta, rapariga, prostituta!

Roberto dá um empurrão em Leonor que desequilibra e cai.
Roberto se aproxima, abaixa-se, preocupado.

ROBERTO
Eu só quero ser feliz Leonor.E quero sinceramente que você seja feliz também.

LEONOR
Minha felicidade acabou no dia em que você foi embora.Tudo, agora, está tão escuro, sempre tão escuro.

Roberto vai até a porta, olha com tristeza para Leonor sentada no chão.Leonor olha para ele.

Roberto SAI da sala.

Leonor levanta.Suas roupas, seu rosto e seu cabelo estão cobertos de poeira.

CLOSE-UP – do rosto de Leonor sorrindo

VOLTA A CENA

Leonor abre o baú

POV LEONOR
Dentro do baú estão um cadáver de mulher coberto de sangue, uma maleta de viagem, uma faca suja de sangue e um frasco contendo um líquido amarelo.
CORTA PARA


EXT.APTO.PORTA-LOGO DEPOIS
Leonor encosta-se à porta, de olhos fechados, nas mãos a caneca de louça.
SOM DA PORTA DO ELEVADOR SE ABRINDO
CLOSE-UP –rosto de Leonor chorando- as lágrimas escorrendo pelo rosto sujo de poeira.
CLOSE-UP da fumaça saindo por debaixo da porta.
Leonor limpa o rosto com as mãos e ENTRA no elevador.

FADE OUT

FIM

Um comentário:

Anônimo disse...

Dos que pude ler, este, sem dúvida - ao menos para mim - é o melhor. Ótimo! Muito vigor! Personagens não convencionais, mesmo que a situação o seja... falas cortas, marcantes, viscerais!

Diálogo bem estruturado, com tensão dramática in constante crescendo...

Uma pessoa que promete, mesmo! Sei que estou chegando tarde à festa, mas vale a pena ressaltar o talento e o trabalho das pessoas... Como dizem: "é melhor tarde, do que nunca"

Parabéns!

Antón